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Como a tatuagem se profissionalizou no Brasil?

Resumindo a história, os primeiros tatuadores no Brasil eram pequenos comerciantes de rua, muitos sendo moleques do subúrbio de cidades grandes como o Rio de Janeiro. E a tattoo no final do século XIX já era uma prática bastante popular e sempre teve fins comerciais e financeiros, o serviço de "marcar" a pele geralmente era feito com agulhas com inserção manual de tinta, mas também com queimaduras e escarificação.

Marcavam a pele trabalhadores de vários ramos da cidade, mais notadamente os marinheiros - profissão modesta e sem requintes, onde muitos trabalhadores eram viajantes sem moradia fixa - mas também soldados de baixa patente, trabalhadores de fábricas, de portos, prostitutas, barbeiros, dentre outras profissões urbanas de baixo status social.

Fotografia do acervo do Museu Penitenciário Paulista, reprodução por Lela Beltrão (El País)



O Estigma

Essas características se mantiveram por quase 140 anos e sempre houve um desdém por parte das parcelas mais ricas das cidades, que se transformou em um preconceito generalizado devido aos trabalhos do médico-criminalista Cesare Lombroso que associavam fortemente as tatuagens aos comportamentos de delinquentes e ladrões locais, que se tatuavam nas ruas e cadeias, expressando significados próprios do universo em que viviam - incluindo o mundo marginal do crime - na tatuagens.

Os trabalhos de Lambroso influenciaram muito o pensamento institucional das polícias, da academia científica e principalmente da imprensa policial, que construíram e reforçaram o estereótipo do "bandido tatuado" que ainda existe até hoje e provavelmente vai continuar existindo para os setores mais conservadores. Esse estigma também é reforçado por aspectos religiosos que associam as tatuagens à vaidade, à luxúria e pecado, assim como uma deformação do corpo que "estraga a pele".


Profissionalização

Esse status começou a mudar nos últimos 30 anos, numa combinação de três aspectos que avançaram simultaneamente: o desenvolvimento tecnológico dos equipamentos de tatuagem, a descentralização dos meios de comunicação com a popularização da internet, e os avanços sanitários e de biossegurança nos estúdios agora regulamentados pelo Estado.

Lucky, o primeiro tatuador profissional no Brasil, trouxe a primeira máquina elétrica em 1959. (Memória Santista)



Desenvolvendo ponto-a-ponto, o desenvolvimento tecnológico permitiu uma qualidade média muito maior do resultado final dos trabalhos, com tintas de maior durabilidade, mais possibilidades de cores e efeitos, maior precisão das máquinas elétricas e uma nova oferta de produtos próprios para o processo de tatuagem, cicatrização e manutenção das tatuagens ao longo do tempo.

Já a mudança comunicacional permitiu uma visibilidade MUITO maior dos trabalhos dos tatuadores, aliada à exposição de pessoas comuns e figuras públicas tatuadas, da difusão de conhecimento técnico sobre o trabalho profissional da área e ampliação das discussões sobre os aspectos culturais próprios desse universo como significados, estigmas e a própria profissionalização dos tatuadores.


Expansão das tattoos

Hoje, as mídias digitais são fundamentais para que tatuadores consigam novos clientes e divulguem seu portfólio, assim como o YouTube se tornou uma plataforma de aprendizado de novas técnicas, estilos e traços, com produções audiovisuais cada vez mais complexas. A internet também se tornou uma fonte importante de informações e troca de conhecimento internos da comunidade de tatuadores, que produzem seus próprios canais, blogs, fóruns e podcasts. É também uma alternativa para compra de materiais necessários ao cotidiano do trabalho, incluindo álcool, luvas, tintas, agulhas, produtos para pele, máquinas e afins.

Profissional de tatuagem (Reprodução)



Por fim, a inauguração do Tropical Tattoo em 1980 - o primeiro estúdio de tatuagem legalizado no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro - marcou um avanço muito importante na profissionalização do ofício de tatuador em vários sentidos. Criado por Ana Velho, a primeira tatuadora do Brasil, o estúdio trouxe uma nova proposta ao oferecer um ambiente decorado, climatizado e higienizado, seguindo diretrizes de biossegurança do conselho médico da cidade.

Foi Ana Velho quem deu notoriedade às questões de higiene e esterilização, que se tornaram absolutamente fundamentais anos depois devido à pandemia de HIV nos anos 80. A partir disso, em 1990 que se decretaram as primeiras regulamentações sobre como deve ser um estúdio de tatuagem e bodypiercing, passo significativo para o reconhecimento da profissão de tatuador.

Hoje, são justamente os estúdios que separam quem é tatuador de quem é amador. E além de separar a tatuagem profissional da tatuagem de cadeia, os estúdios mais recentemente têm agregado outros profissionais no mesmo espaço, e já existem em cidades grandes estabelecimentos que juntam barbearia, hamburgueria, estúdio de tattoo e piercing, com oficina de moto ou lojas de roupa, unindo um lifestyle inteiro no mesmo espaço.


  • Autoria de Jean Cravo

Oktopus Tattoo - 2020


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